domingo, 5 de fevereiro de 2012

19 horas, Rua do Norte

 A malta gira do restaurante Sul fuma um cigarro à porta, impecáveis nos seus aventais verdes, antes de começar o movimento. Gosto do cabelo loiro-afro-louco de um deles e do ar sempre descontraído da morena. Abstenho-me de olhar muito para a El Dorado, passo a vida apaixonada pelos sapatos que vão aparecendo na montra, se entrasse era bem capaz de perder a cabeça e gastar um ordenado inteiro de uma vez. Mais à frente, na loja Baco Alto, sou sempre recebida pelo senhor de cabelos grisalhos com um sorriso simpático. Sabe a marca de tabaco que fumo e os vinhos que gosto (Alentejo, sempre), tenho a agradecer-lhe a descoberta do Arte Real e do Montaria – companhia cool para serões à conversa com os amigos – e os rebuçados Flocos de Neve que roubo sempre do cestinho. Olho para dentro do bar Soft, na porta ao lado, e sinto umas súbitas saudades de noites de Verão agradáveis a beber martinis com um amigo que se mudou para Barcelona. Passo pelo angariador de clientes do Restaurante Camões, nos seus óculos de aro fino e boina à marialva, sempre em cima dos turistas para os pôr a ouvir fado. Na Tasca dos Canários bebo café ao som d’O Preço Certo, e encontra-se sempre alguém conhecido ou alguma paixão antiga para dois dedos de conversa. Observo discretamente a malta hipster a falar de bandas indie e a beber imperiais, poetas com barba de muitos dias a escrevinhar nos seus moleskines e os ciganos que vendem caldo Knorr aos turistas, que aparecem para uma imperial antes de atacar as ruas. À porta da Bad Bones está o tatuador charmoso de cabelo branco e olhos claros, com uma t-shirt em tons néon, com quem troco um “boa noite” e um aceno, ou a miúda da recepção com os lábios impecavelmente pintados de vermelho e ar de pin-up. Espreito o Grapes & Bites para ver quem está a tocar, as luzes baixas, as pipas de vinho e o som ecléctico e de qualidade (rock clássico, ritmos africanos, jazz) fazem-me sempre pensar que tenho que lá ir um dia destes, mas fica sempre para amanhã. A Adega Machado continua em obras, nunca lá fui e morro de curiosidade, mas todos dizem que nunca mais será a mesma coisa. Olhando para dentro do Nelson, tasca típica à moda antiga, vejo os pratos bem aviados a sair com rapidez e eficiência, enquanto que ao balcão se juntam guitarristas e violistas de fado a beber café. Mais à frente, o rapaz moreno de cabelo comprido abre o Bali Bar e a malta do Cohiba gira por todo o lado a fazer os preparativos para a noite. Do Alface Hall vem a voz de Jerry Lee Lewis ou blues bem velhinhos, à porta há sempre viajantes do hostel a beber imperiais, a fumar cigarros e a observar quem passa com olhos de quem vê tudo pela primeira vez e se prepara para uma noite (muito) bem regada. A angariadora de clientes do restaurante indiano, também ela indiana, ilumina-me o início da noite – as roupas brilhantes e o sorriso rasgado dão-lhe o ar de ser a mulher mais feliz do mundo.

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