segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

O Fadista


 Estaciona o Volkswagen cinzento à frente da paragem de autocarro. Respira fundo, acende mais um cigarro e veste o blazer. Mais uma noite a cantar para turistas, mais uma noite de profundo cansaço e frustração. Ao fim de cerca de quinze anos a trabalhar no mesmo restaurante, está farto. Desejava poder viver só dos concertos, ou pelo menos poder cantar apenas em casas de fado onde o silêncio é respeitado. É difícil cantar “com a alma” quando, para além das guitarras, é acompanhado pelo som indiferente de copos, talheres e vozes de classe média a conversar em diversas línguas.

  As suas noites são sempre iguais. Umas voltas pelo bairro nos intervalos, uma tosta de queijo brie e presunto, um pouco de fado vadio, os diversos conhecidos que vai coleccionando desde que nasceu, um café e água das pedras ou uma coca-cola aqui e ali. As suas noites são sóbrias e por isso tornam-se aborrecidas, porque é aborrecido ver o mundo ficar ébrio e continuar lúcido. Mas tem que ser, e tem orgulho disso – ter saído da loucura de confundir os dias e as noites e nada mais lhe importar para além dos momentos de puro êxtase – e conseguir manter-se sóbrio. Já lá vão muitos anos.

 Cresceu numa família de fadistas – por vezes as comparações são insuportáveis – e apesar de ser considerado da “nova geração”, segue todas as regras e tem a maioria dos preconceitos dos fadistas antigos. De vez em quando é tomado pela insegurança e pelos seus medos, todos os dias luta contra as vozes que o impedem de se mexer, de tomar decisões. Questiona todas as suas escolhas e pisa sempre o palco com a sensação de que é a última vez. Há quem o considere arrogante, mas é apenas uma capa protectora – porque as críticas afectam-no, sim, mas o maior crítico, o maior inimigo, é ele próprio.

 Ao fim da noite respira de alívio e voa veloz pela marginal fora. Não volta para casa sem passar na roulotte, no McDonald’s ou numa bomba de gasolina, e adormece a ver um filme qualquer escolhido ao acaso no videoclube da MEO.

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