sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Sr. Porco, o merceeiro

 O velho merceeiro é um homem de cabelos grisalhos e óculos de armação redonda e dourada, que tem servido várias gerações de donas de casa e estudantes de dança e música. Tem o ar rabugento de quem vive com poucos luxos, mas de vez em quando rasga um sorriso franco. Detesta que lhe peçam sacos de plástico com asas para levar poucas coisas – mas é capaz de conceder fiado aos clientes mais regulares.

 Tem na sua mercearia tudo o que corresponde às necessidades dos seus clientes: gomas para os mais novos, bolachas de água e sal para as bailarinas que querem manter a linha, coca-cola que os rapazes adolescentes bebem como água, bolachas de chocolate que os músicos mordiscam durante as longas horas de estudo, alguns legumes frescos para o almoço das idosas da zona.

 É o sítio onde muitas crianças roubam, pela primeira vez, uma pastilha elástica ou um chocolate. É conhecido entre elas como Sr. Porco – as mãos sujas tanto pegam em moedas como em gomas, sem nunca serem lavadas. Fornece os primeiros cigarros a muitos pré-adolescentes imberbes com a sensação de estarem, pela primeira vez, longe da asa protectora dos pais – assim como muitas garrafinhas de Smirnoff, que são bebidas às escondidas nas casas de banho. E são estes pequenos luxos e rebeldias de várias gerações de crianças e adolescentes que permitem ao filho do merceeiro uma forma bem mais glamourosa de usar as mãos: nas teclas de um computador em CAD, a cortar k-line para uma maquete, a desenhar nas folhas de um moleskine.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A estrela rock falhada

 Aos 34 anos, tem um ar gasto e cansado. À volta dos olhos surgiram rugas, deixou o cabelo crescer e está mais magro que nunca. Há quem diga que se meteu nas drogas pesadas, coisa que ele nega veemente: as minhas drogas são estas, diz mostrando o copo de imperial e o charro que tem nas mãos. Já pouco conserva do miúdo fresco que ganhou um concurso para cantores na televisão há cerca de dez anos atrás e fazia suspirar as adolescentes (e as mães destas). A voz, essa, tornou-se ainda mais rouca, ainda mais funda. Os olhos azuis ostentam uma expressão de animal selvagem, ferido mas orgulhoso. Sabe do seu valor, não baixa a cabeça perante nada. Tudo na sua pose destila confiança – seja a dirigir-se a uma desconhecida, a fazer rir um grupo de pessoas ou a tocar no banco alto de um bar ou de um palco – mas é notória a desilusão na sua voz e nos seus olhos, ao falar de como este país maltrata os músicos.

 Ele, que começou por tocar nas ruas escuras da sua cidade natal, teve a falsa sensação de vitória depois do concurso – entrou em projectos de sucesso mas de curta duração, outros que foram completamente ignorados pelo público e pelos media. Agora lança-se num novo projecto, e ainda que o ar desiludido e assombrado lhe confira um certo charme, a saudade do seu entusiasmo e esperança inicial deixa-me com um gosto agridoce na boca.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Mojito time?

Quem passar à porta daquele bar latino, dificilmente ficará indiferente ao tipo moreno de um metro e oitenta e tal, longo cabelo aos caracóis, barba de vários dias e uma bússola tatuada no braço. Até porque o seu principal divertimento nas horas mortas é meter-se com todos os turistas que passam na rua.

 Aproxima-se com um sorriso amigável e pergunta, Mojito time? Se for um grupo de mulheres, não irá desistir facilmente, mesmo que o ignorem. Where are you from?, lança para o ar ao encaminhar-se para elas. Se forem russas ou nórdicas, a deixa seguinte é dita com reverência: ooohhh! Professional drinking people!, o que, inevitavelmente, provoca alguns risos. Habitualmente é nessa altura que elas param de caminhar e se estabelece uma conversa – e dali a dois minutos, vemo-lo a correr para dentro do bar com a mais “amigável” do grupo ao colo, precedido dos risos das restantes.

 Mi encantan las mujeres, costuma dizer com um ar muito sério, todas son dignas de atención. Diz também que las portuguesas son mucho graves, e acrescenta com um sorriso sacana, mas mucho belas.  E é vê-lo a sorver shots de tequila, a falar das suas viagens ou a agarrar uma mulher e conduzi-la entre salsas e rumbas.

 Há quem diga que faz colecção de lingerie roubada às amantes. Troféu das conquistas ou monumento aos seres que venera?                                                                                                                                                                   

O Engatatão

 Chega com andar gingão e cigarro ao canto da boca. Antes de ligar a guitarra ao amplificador, cumprimenta a malta do bar e bebe uma imperial ao balcão. Tira o casaco, exibe-se na sua t-shirt de manga cava.

 Senta-se num banco alto e afina a guitarra. Dá mais uns goles na imperial e começa a tocar. É nesse momento que olha à volta, à procura de formas femininas. Sabe que os olhos verdes, o cabelo de caracóis rebeldes, o ar de puto reguila e a voz rouca não deixam ninguém indiferente. Sabe que faz as mulheres sonhar, independentemente de estar a tocar Amy Winehouse ou Doors, Nirvana ou Natalie Imbruglia. Encara qualquer mulher bonita que esteja a olhar na sua direcção, gosta de vê-la render-se à sua voz, ao seu encanto, ver as emoções fervilhar à flor da pele.

 Nos intervalos, enquanto bebe mais uma imperial e fuma o seu cigarro, diverte-se a dar conversa ao enxame que se junta à sua volta. Faz o seu papel de galã: diz-lhes piadas ao ouvido, toca-lhes na mão ao de leve.

 Ao fim da noite, se alguma lhe interessa muito, leva-a a beber mais uma imperial a qualquer lado, e eventualmente acaba a noite em casa dela – ou num quarto de hotel, gosta das estrangeiras, que uma mulher de férias só quer passar bons momentos. Mas a maioria das vezes, mesmo depois de vários beijos anónimos, volta sozinho para o seu quarto alugado. Sabe que não é entre as paredes do bar onde trabalha que vai encontrar uma mulher que queira levar para casa.

 Adormece, meio entorpecido pelo álcool, ao som de Smells Like Teen Spirit.