Era talvez
das loucas mais conhecidas de Lisboa. Vinte e tal anos, negra, obesa e com
roupas de cores garridas, era impossível não reparar nela. Penso que até
apareceu num vídeo d’ Os Homens da Luta. Costumava estar sentada junto à Caixa
Geral de Depósitos ou no Largo Camões, a cravar cigarros, moedas e comida a
quem ali passava. De vez em quando pintava a cara com brilhantes e as unhas com
cores néon, o que lhe conferia um certo toque psicadélico a la Verão de ’69. Por vezes cobria o cabelo muito curto e espetado
com cabeleiras loiras, vermelhas ou rosas (sempre me questionei onde é que as
arranjava).
Na minha
curiosidade juvenil cheguei a perguntar-lhe o que fazia ali, todos os dias.
Disse que esperava pelo filho, mas o discurso incoerente não me deixou
compreender que espécie de tragédia os podia ter separado. Apesar da tristeza
na sua voz tinha um sorriso enorme, e nos dias em que estava bem-disposta
brindava quem a quisesse ouvir com canções contagiantes.
Desejava
duas coisas: sapatos de salto alto tamanho 41 e bolachas de chocolate. A minha solidariedade
não vai suficientemente longe para comprar sapatos a uma desconhecida, mas nunca
hei-de esquecer o sorriso emocionado que lhe consegui pôr na cara, dia 23 de
Dezembro de 2008, ao oferecer-lhe um pacote de chiquilins. Com ela aprendi que
uma mulher, mesmo uma sem-abrigo, é sempre uma mulher: nunca subestimar o poder
reconfortante de uns sapatos ou de umas bolachas de chocolate.
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