Miguel Ângelo é uma figura peculiar, que não passa
indiferente. Extremamente magro, usa sempre turbantes na cabeça – às vezes
pretos, às vezes azuis turquesa ou rosa “da cor dos anjos” – uma vara com
guizos e as vieiras dos peregrinos do caminho de Santiago, e óculos escuros
“para se proteger de maus-olhados”, que só tira na presença de alguém que ganhe
a sua confiança – e vale a pena sondar aqueles olhos azuis-claros, “que viram
os céus e os infernos“. Fuma uma mistura mal cheirosa de tabaco, haxixe,
pimenta e outras ervas. Assobia e canta alto constantemente, coisas
inteligíveis que ninguém compreende.
Quando
começámos a conversar, há muitos anos atrás, perguntei-lhe de onde era. “Do
sítio onde a terra mexe”, foi a sua resposta. Mais tarde, muito mais tarde,
disse-me que era dos Açores, e falou da solidão e das cores de S. Miguel.
Durante alguns anos via-o regularmente, às vezes aparecia no Bairro Alto ao fim
da noite, ou pelo Largo Camões e do Chiado à tarde. Toda a gente o achava
louco, mas mesmo os mais cépticos acabavam por sucumbir ao seu charme.
Dizia ser
padre e estar em Lisboa com uma missão que, segundo ele, lhe foi dada pelo Papa
João Paulo II. Nunca disse que missão era essa. Afirmava ser descendente dos
Ávila e de Jesus Cristo. Gostava de falar acerca de anjos e de política, e
conspirava acerca do Papa Ratzinger e de um novo domínio germânico.
Um dia, um
amigo encontrou-o na Rua das Portas de Santo Antão, e Miguel Ângelo fez-lhe um
comunicado: a sua missão em Lisboa estava concluída e tinha que partir para o
Algarve, numa nova missão… encontrar Maddie McCann (!). E desapareceu de Lisboa
durante cerca de dois anos, nunca mais ninguém o viu.
Há dois
meses atrás, estava eu na Rua da Barroca com o meu amigo que o tinha visto pela
última vez, quando ouvimos uns guizos e uma voz a cantar. Ao longe vimos surgir
uma figura toda de negro, de turbante na cabeça, botas de combate, óculos
escuros e a vara com as vieiras do caminho de Santiago, qual ninja cristão em
marcha triunfal. Parou junto a nós e tirou os óculos. Perguntou-nos pelos
nossos trabalhos, pela vida. “E a sua missão?”, quisemos saber. “Está
concluída. Pobre rapariga”, disse com um ar muito sério. “Mas só estou em
Lisboa de passagem. Tenho uma nova missão.” Não nos disse qual era, e
desapareceu de novo.
Entretanto,
fala-se da nova europa de Merkel e Sarkozy, e não pude deixar de sorrir com
carinho ao lembrar-me das teorias de conspiração do meu profeta. “O poder será
de novo preto, vermelho e amarelo.” Talvez tivesse razão.
2 comentários:
afinal sempre conseguiste*
como sabes, é apenas uma minúscula parte do que se poderia dizer sobre ele!
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