sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Dona Rosa

Saiu da sua aldeia em Trás-os-Montes a meio da adolescência, para trabalhar como criada em casa de uma família queque do centro de Lisboa. Nunca tinha visto o mar, e ao início sentia-se perdida no meio da grande cidade, horrorizada e maravilhada.

Ninguém sabe ao certo quanto tempo trabalhou para essa família - há anos da sua história que ficarão para sempre por contar - mas mais tarde casou, e abriu um café que em tempos tivera fama duvidosa, devido à antiga gerência (mas isso é outra história, que contarei um dia). Um café modesto, com três mesas grandes e uma pequena, na Travessa dos Inglesinhos.


Hoje é o típico café de bairro de Lisboa: não faltam calendários, relógios e cachecóis do Benfica, e que ninguém se atreva a defender o Sporting - é estar a pedir uma discussão com a D. Rosa e com a maioria dos clientes habituais, sempre prontos a tirar os olhos da Sport TV para saltar em defesa do glorioso. É essencialmente frequentado por moradores da zona - vale a pena assistir ao pequeno-almoço das velhotas (os verdadeiros jornais do bairro) que saem com os seus cães pela manhã - mas também por homens das obras, à hora de almoço, em busca de uma sandes e uma imperial, professores e alunos de escolas das redondezas, rapazes do bairro (ver post anterior)que fumam os seus canhões à porta, ao final da tarde, e fauna boémia diversa à noite, especialmente ao fim-de-semana.


D. Rosa sofre terrivelmente das varizes, das articulações dos joelhos e de colestrol. Encontra-se regularmente sentada na mesa do fundo, com o Correio da Manhã à frente, a conversar com os seus fregueses - no entanto, é capaz de despachar vinte pessoas em cinco minutos, se for necessário. Não tem medo de ninguém, não tem papas na língua e não tem medo de impor respeito: vai mas é dormir e dou-te um soco nas ventas num tom de voz especial é o suficiente para pôr qualquer matulão em sentido.


Lembrei-me dela porque é hora de almoço e as tostas mistas da D. Rosa são as melhores que já comi na vida. Não só pelas quantidades generosas de queijo e fiambre e da manteiga a pingar. O sabor dessas tostas tem um quê de rebeldia - a primeira imperial, conspirações e amores, má-língua e golos históricos.

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