quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

O Brasileiro

Atravessou o atlântico para conhecer as suas raízes. Depois de acabar a licenciatura em saxofone, S. Paulo e o Brasil não tinham nada para lhe oferecer. Fez as malas e partiu para a terra do avô, uma pequena aldeia no Minho. Estranhou o frio e surpreendeu-se com a simpatia com que foi recebido.

 A viagem de duas semanas prolongou-se, tornou-se num percurso iniciático. Queria conhecer mais do país e do povo que o começavam a conquistar. Depois de algum tempo a viajar pelo norte, partiu rumo a Lisboa.

 Começou a participar em jam sessions, a frequentar os circuitos de música ao vivo do Bairro Alto e de Alfama. Arranjou trabalho como professor de Formação Musical numa escola pública, alugou um quarto perto da Rua do Alecrim. Não estava preparado para deixar Lisboa, estava seduzido pela luz, pelas pessoas, pelas noites de boémia.

 Algum tempo depois começou a tocar blues e rock, com outro brasileiro na percussão e um americano na voz e guitarra. A energia entre os três era algo da ordem da magia, era a primeira vez que tocava em bares e todo o público prestava realmente atenção – não só prestava atenção, era visivelmente contagiado. Quem passasse à porta de onde eles estivessem a tocar, veria um bar à pinha, toda a gente a dançar e a rir, ancas, pés, braços em desalinho. E as noites acabavam invariavelmente no Miradouro de S. Pedro de Alcântara, a beber cervejas dos indianos e a conversar com as miúdas que sempre os seguiam depois da música acabar. Elas não escondiam o seu espanto ao ouvi-lo falar – a pele muito branca, o sorriso doce, o cabelo encaracolado, os óculos sem armação, as camisas de betinho e o jeitinho tímido de falar com as mulheres não lhe conferem o ar de típico brasileiro.

 Antes de partir, não sabia o que ia encontrar. Hoje sabe que o que encontrou dentro de si era o seu fado – uma parte da sua alma que é mais ginjinha que caipirinha, que chora com as guitarras de Lisboa.

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